quinta-feira, 12 de julho de 2018

Descoberta

Quando o chuveiro desligou
imaginei que sairia de toalha
típica cena de filme.
Mas abriu a porta, e eu, 
sentada na cama,
observei enquanto tirava os óculos
já não havia entre nós mais rótulos
e os passos até mim
ficaram cada vez mais curtos.
Usava um conjuntinho básico
eu, a roupa da festa cheirando a cigarro.
Nossos corpos se entrelaçavam
os beijos se multiplicavam
pelo pescoço, pelo peito, pela barriga
e eu percebi, em nossa pele macia,
que naquela noite você foi só minha.

Depois que você foi


Depois que você foi embora ficaram as marcas
a cama desarrumada
os fios de cabelo perdidos no lençol
Depois que você foi embora ficaram as lembranças
dos beijos prolongados

do toque demorado
de um sorriso descansado
Depois que você foi embora ficaram as marcas, as lembranças e eu
Esperando sua próxima volta

(Pintura de Rene Magritte - Le Galet (1948))

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Culpa

Claramente o dia tinha se tornado perene para mim. Saí da escola com um fulgor nos olhos de menina que acabara de fazer travessura, e assim como qualquer outra, guardava um segredo. Papai foi me buscar e logo fui me aquiescendo de meu erro, mas não podia deixar claro: devia continuar em sigilo.
Corri ao pátio de casa e logo me encaixei na grama macia debaixo da goiabeira. Lá me sentia segura. Peguei o livro que, de certa forma tinha o roubado na escola, e pus-me a ler, pela décima vez. Eu o adorava, razão pela qual cometi o erro. Me peguei pensando se o que tinha feito era pecado. Foi então que olhei para o céu e me tornei a perguntar aos ventos o que tinha acima das nuvens. Seria papai do céu a me castigar? Será que ele me perdoaria? Eu tão nova, que mal podia alcançar a maçaneta da porta com minhas mãos suadas e frias, e cheia de medo do que podia acontecer, corri.
Algum tempo depois, quando talvez acumulado alguns pecados transgressores, tive de me confessar ao padre. Era a tradição da religião. Subi os degraus e fiquei na fila junto a outras crianças, a espera que porta abrisse e o padre chamasse o próximo. Tinha uma agitação tal que ponderei se tinham mesmo todas aquelas crianças pecados infames, que tivessem que exteriorizá-los para conseguirem ser aceitas pelo papai do céu. Mas mamãe e papai sempre recitavam um verso da Bíblia que dizia que as crianças seriam aceitas no céu. Por que então tinha de me confessar? Que pecados eu tinha? Eu era a segunda da fila. Fiquei nervosa, porque não tinha pensado no que poderia pedir desculpa a papai do céu. Cheguei ao confessionário e falei ao padre, contando em meus dedos todos os pecados. Disse que bati no coleguinha (mas nem era sério, já tínhamos feito as pazes), e que falei palavrão (mas meu pai também falava, e eu sabia que ele era um santo. E afinal, nem era tão forte assim); mas escondi meu segredo. Saí de lá com olhos baixos, e com a voz do padre ressoando em meus ouvidos “você tem que rezar três ave-marias, dois pais-nossos e uma oração do anjo da guarda”.
Naquela noite, então, ajoelhei-me ao pé da cama e pus-me a rezar. Não rezava pelos meus palavrões, mas sim pelo meu profano roubo. Senti a aspereza das palavras que saiam de minha boca e imaginava elas indo todas dançando ao céu. Me deiteiafim de que pudesse finalmente recomeçar. Transcender um universo cheio de estrelas e constelações infinitas, e assim, ser uma nova pessoa.

Acordei e ainda era escuro, presumo que eram umas quatro da manhã. Tentei levantar, mas meu corpo estava imóvel como pedra. Talvez também estivesse fria como ela, e morta. Minha cabeça estava cada mais afundando no travesseiro que achei que ia sumir. Fiz força com a mão para tentar acordar meu corpo, mas não adiantava, eu estava morrendo. Compreendi exatamente o que se passava. Era o preço do pecado. Papai do céu não me perdoara, e por isso eu estava morrendo. Ou era a culpa me desvanecendo, me levando para um desconhecido lugar que não podia saber qual. Repeti tantas vezes as orações, mas elas não surtiam efeito. Nem chorar eu conseguia. Tentei gritar, mas a voz arranhava minha garganta e nem um grunhido atingia o espaço. Eu era a culpada. Papai do céu não me perdoara. Culpa, culpa.          

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Metatexto.






Tomei notas em um rodapé de uma folha qualquer porque não me restava mais tempo sequer - aquele tempo ínfimo que prestigiei posterior ao café preto, e que me deixou deveras alerta e subitamente cansada ainda que desperta. 
As notas versavam sobre algo qualquer sobre o ser, a existência, ou a árvore seca no meio de um pátio florido; essas coisas que mudam de era em era e são mais subversivas que qualquer outra que possamos imaginar. Mas de um modo notório e quase imperceptível, as notas viraram frases sobrepostas e transversas umas às outras, de modo que não podia mais controla-las - será o efeito da cafeína?, pensei que pudessem ser marionetes de imaginação, qualquer coisa surreal, mas depois veio um sentimento áspero que me dizia que elas eram puras. Abro um parênteses aqui: que palavra surgiria assim precitadamente essas horas da noite, sendo ela pura, sendo que eu, que sou o portador dela, não tenho essa qualidade? Fingiria eu ser alguém que não sou? Fazia eu parte de um teatro mental ou espiritual?
Não sei.
Fiz questão de acabar logo.
Quando vi, as notas do rodapé já estavam virando de página pela segunda vez, e no final dela, quando já cansada de escrever, li algo sobre incertezas. 
A partir daí a nota teve um título, mas nunca consegui pôr um ponto final, afinal, a certeza e pureza não vieram me abraçar.
Paralelamente, esta, não tem título.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Agora




Largando meu ócio na cama,
Livos jogados, abertos, coisa insana.
Palavras trocadas, cansaço chato;
Vozes moribundas, escritores inatos.

Ventilador l i g a d o,
M o m e n t o extasiado.


terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O horário de visitas acabou



O doente repousa na maca
O outro encosta a mão em seus pés
Não quer sentir os pés gelados
O gelado lembra a morte

Pérfida morte,
Em que esvaindo a alma
As palavras fluem grotescamente
Junto aos eletrogramas

“A família tá bem”
“A tia pegou um resfriado”
“Lá fora chove”
Como se as notícias, ao fim e ao cabo,
Iriam pôr fim naquele silêncio estrondoso.

O horário de visita acabou
Os pensamentos continuam lá
Naquela maca, naquele doente
Nos outros doentes que estavam acordados
Mas aquele estava dormindo,
Continuou dormindo quando
O horário de visitas acabou

Tiram-se as roupas brancas,
Lava-se a mãos,
Secam algumas lágrimas,
Reza-se um terço
Dois
Três
Que Deus faça o que for melhor.

O horário de visitas acabou.
Não o vi mais.

Nunca mais.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Os olhos ardentes





Quando a luz se apaga, aqueles olhos ardentes, que me chamam, me clamam, me amam. Um estreito parapeito de luz batendo no canto da parede, nossos corpos refletindo, nossos sussurros ecoando.


Um sentimento lá fora bate, fora da janela. Impalpável e indelével. 



Dedos em curvas nas costas do outro, a cada elevação de pele, um afago. Os cabelos enrolados, os olhos fechados, os olhos ardentes.


Depois vem o sorriso, aquele sorriso malicioso. Pele nua, a cabeça arcada pelos beijos na nuca. O pedido sem fim de um continuar, um laço frenético ao luar. Os olhos ardentes.

Corpo a corpo, fitando quente.

A calmaria.
O descanso.
Os olhos fechados. Os olhos ardentes. Os olhos ardentes agora pensos.

O gozo.